Interrupção seletiva da gestação de fetos anencefálicos e tecnologias pré-natais: uma revisão na perspectiva da bioética e biodireito

Maria Claudia Crespo Brauner, Mateus Miguel Oliveira, Millene Savaris Cortelini, Thais Ferreira Claudio

Resumo


O presente artigo trata acerca da interrupção seletiva da gestação, hipótese em que há a permissiva legal para interrupção gestacional de fetos anencefálicos, dada a sua inviabilidade com a vida (biologicamente orgânica e juridicamente incompatível). Este entendimento, porém, só foi possível após um longo percurso social e jurídico que, em 2012, levou ao julgamento procedente da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 54 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), declarando a inconstitucionalidade da interpretação que tipificava a interrupção da gravidez do feto anencefálico nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal. Não obstante o reconhecimento da complexidade do assunto, que envolve questões de ordem moral, religiosa, cultural e jurídica, o problema, a hipótese e os objetivos da presente pesquisa, de natureza exploratória com revisão bibliográfica e documental, evidenciam que as tecnologias pré-natais auxiliam na detecção de anomalias fetais, acesso às informações necessárias e na tomada de decisão da gestante acerca da interrupção gestacional do feto anencefálico, amparada no conhecimento científico, responsabilidade, liberdade e autonomia. Neste contexto, a bioética e o biodireito desempenham papel fundamental para a ponderação de posicionamentos inerentes ao tema, uma vez que na ausência de viabilidade fetal, privilegia-se a vida da gestante, que corre graves riscos à sua integridade física e psicológica, devendo prevalecer, portanto, os seus direitos sexuais e reprodutivos, de autodeterminação, personalidade e dignidade.

Palavras-chave: Interrupção seletiva da gestação de anencefálicos; ADPF nº 54; tecnologias pré-natais.

 


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