ANÁLISE DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A INSERÇÃO DA MULHER NEGRA NO MERCADO DE TRABALHO - SOB O ASPECTO CONSTITUCIONAL DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE

Fernanda Oliveira Gurgel, Fernada Oliveira Gurgel, Fernada Oliveira Gurgel, Fernada Oliveira Gurgel

Resumo


O presente artigo trata da correlação do direito constitucional com uma problemática social, qual seja, a inserção da mulher negra no mercado de trabalho. O objetivo geral desse artigo é analisar e entender a motivação pela qual, mesmo com tantas políticas estatais, não se atinge a equidade e ainda existe a exclusão em questão. Para tanto, o princípio da igualdade expresso no texto constitucional será peça fundamental para o presente estudo, o qual utilizará a metodologia exploratória e descritiva.


Palavras-chave


Equidade; Mulher negra; Mercado de trabalho; políticas públicas; preconceito.

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Referências


A maior inserção das mulheres negras no trabalho doméstico revela um traço desvantajoso na situação em que estas se encontram. O emprego doméstico é uma das formas mais antigas de trabalho assalariado, sendo exercido pelos trabalhadores masculinos e femininos no decorrer dos últimos dois séculos. Como o serviço doméstico remunerado é um espaço de absorção de mão-de-obra feminina, os níveis de remuneração nessa atividade sejam inferiores aos observados para o conjunto dos trabalhadores. (PINTO, 2016)

Quando se tratava de mulher, os seios eram bem examinados pois poderia vir a servir como ama de leite e bem assim as nádegas. Tinha-se interesse em negras do traseiro grande, bem servido de carnes, porque isso era – diziam – indício de força, saúde e qualidade de boa parideira, capaz de dar novos escravos ao senhor. (MACEDO, 1974, p. 32)

[...] Em nosso país, apesar de todos se dizerem avessos ao racismo, não há quem não conheça cenas de discriminação ou não saiba uma boa piada sobre o tema. Ainda hoje o trabalho manual é considera (sic) aviltante e a hierarquia social reproduz uma divisão que data da época do cativeiro. Com naturalidade absorvemos a idéia (sic) de um elevador de serviço ou de lugares que se transformam em verdadeiros guetos raciais. É por isso que não basta condenar a história, ou encontrar heróis delimitados. Zumbi existe em cada um de nós. É passado e é presente. (MOURA. 1996. P.30)

Em virtude das guerras que ocorreram na primeira metade do século 20, muitas mulheres assumiram as empresas e negócios de suas famílias, além da posição do homem na condução do lar. Isso aconteceu, em grande medida, não apenas durante os anos de conflito, mas também posteriormente, em razão do grande número de mortes e de acidentes que deixavam os homens inaptos para o trabalho. (LEAL, 2016)

Uma das melhores formas de perceber a atuação e a persistência do trabalho feminino no controle das vendas é justamente acompanhar a evolução das inúmeras medidas para seu controle. Essa repressão enfrentava um dilema básico: se por um lado as autoridades temiam os encontros sociais que ali ocorriam, pautando-se tanto em justificativas morais quanto econômicas (o temor da perda ou do ferimento de escravos), por outro, esse mercado representava uma garantia de abastecimento estável para as populações mineiras, além de gerar recursos para as despesas administrativas na região com a cobrança de tributos. A repressão deveria voltar-se, portanto, mais para o controle e a vigilância, o que fez surgir uma série de proibições tentando impedir que funcionassem próximo às áreas de mineração e buscando controlar o público frequentador. (DEL PRIORE, 2004, p. 123)

A lei sempre emana do Estado e permanece, em última análise, ligada à classe dominante, pois o Estado, como sistema de órgãos que regem a sociedade politicamente organizada, fica sob o controle daqueles que comandam o processo econômico, na qualidade de proprietários dos meios de produção. (LYRA FILHO, 1982, p 3)

Nesse sentido, o racismo também superlativa os gêneros por meio de privilégios que advêm da exploração e exclusão dos gêneros subalternos. Institui para os gêneros hegemônicos padrões que seriam inalcançáveis numa competição igualitária. A recorrência abusiva, a inflação de mulheres loiras, ou da “loirização”, na televisão brasileira, é um exemplo dessa disparidade. (CARNEIRO, 2003)

Em relação à formação profissional, as mulheres, de maneira geral, encontram-se em uma posição de desvantagem em relação aos homens, pois mesmo que melhor qualificadas, não ocupam os mesmos espaços. Isto consequentemente gera uma sub-representação das mulheres nos setores laborais, como, por exemplo, nos cargos de chefia. (SOUZA; PADILHA; KAZMIRCZUK; ROSA; SOUTO, 2019)

Esta expansão do trabalho feminino tem, entretanto, um movimento inverso quando se trata da temática salarial, na qual os níveis de remuneração das mulheres são em média inferiores àqueles recebidos pelos trabalhadores, o mesmo ocorrendo com relação aos direitos sociais e do trabalho, que também são desiguais. Muitos estudos têm apontado que, na nova divisão sexual do trabalho, as atividades de concepção ou aquelas de capital intensivo são realizadas predominantemente pelos homens, ao passo que aquelas de maior trabalho intensivo, frequentemente com menores níveis de qualificação, são preferencialmente destinadas às mulheres trabalhadoras, (ANTUNES; ALVES, 2004).

A discriminação racial no Brasil deve ser enfrentada de forma mais ostensiva pelo Estado. A existência de diferenças no país é admissível e aceita, mas não as desigualdades no mercado de trabalho. É crucial, assim, estabelecer fortes alianças de solidariedade visando promover ações conjuntas buscando garantir a todos os cidadãos brasileiros, sem exceções, o respeito aos direitos e garantias fundamentais. (TRIPPIA; BARACAT, 2014.)

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa doBrasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de discriminação.

(...)

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

(...)

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...)

XXX – a proibição de diferenças de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.

(BRASIL, 1988)

Art. 373-A Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado: (Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999)

I - publicar ou fazer publicar anúncio de emprego no qual haja referência ao sexo, à idade, à cor ou situação familiar, salvo quando a natureza da atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assim o exigir; (Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999)

II - recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível; (Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999)

III - considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar como variável determinante para fins de remuneração, formação profissional e oportunidades de ascensão profissional; (Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999)

IV - exigir atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou permanência no emprego; (Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999)

V - impedir o acesso ou adotar critérios subjetivos para deferimento de inscrição ou aprovação em concursos, em empresas privadas, em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez; (Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999)

VI - proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias. (Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999)

Parágrafo único. O disposto neste artigo não obsta a adoção de medidas temporárias que visem ao estabelecimento das políticas de igualdade entre homens e mulheres, em particular as que se destinam a corrigir as distorções que afetam a formação profissional, o acesso ao emprego e as condições gerais de trabalho da mulher. (Incluído pela Lei nº 9.799, de 26.5.1999)

(BRASIL, 1943)

Art. 1o Esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica. (BRASIL, 2010)

Art. 3º Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1º desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (Redação dada pela Lei nº 13.409, de 2016)

(...)

Art. 5º Em cada instituição federal de ensino técnico de nível médio, as vagas de que trata o art. 4º desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo do IBGE. (Redação dada pela Lei nº 13.409, de 2016)

(...)

Art. 6º O Ministério da Educação e a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, da Presidência da República, serão responsáveis pelo acompanhamento e avaliação do programa de que trata esta Lei, ouvida a Fundação Nacional do Índio (Funai).

(BRASIL, 2012)

Art. 2º Poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. (BRASIL, 2014)

No mérito, explicitou-se a abrangência da matéria. Nesse sentido, comentou-se, inicialmente, sobre o princípio constitucional da igualdade, examinado em seu duplo aspecto: formal e material. Rememorou-se o art. 5º, caput, da CF, segundo o qual ao Estado não seria dado fazer qualquer distinção entre aqueles que se encontrariam sob seu abrigo. Frisou-se, entretanto, que o legislador constituinte não se restringira apenas a proclamar solenemente a igualdade de todos diante da lei. Ele teria buscado emprestar a máxima concreção a esse importante postulado, para assegurar a igualdade material a todos os brasileiros e estrangeiros que viveriam no país, consideradas as diferenças existentes por motivos naturais, culturais, econômicos, sociais ou até mesmo acidentais. Além disso, atentaria especialmente para a desequiparação entre os distintos grupos sociais. Asseverou-se que, para efetivar a igualdade material, o Estado poderia lançar mão de políticas de cunho universalista — a abranger número indeterminado de indivíduos — mediante ações de natureza estrutural; ou de ações afirmativas — a atingir grupos sociais determinados — por meio da atribuição de certas vantagens, por tempo limitado, para permitir a suplantação de desigualdades ocasionadas por situações históricas particulares. Certificou-se que a adoção de políticas que levariam ao afastamento de perspectiva meramente formal do princípio da isonomia integraria o cerne do conceito de democracia. Anotou-se a superação de concepção estratificada da igualdade, outrora definida apenas como direito, sem que se cogitasse convertê-lo em possibilidade.

ADPF 186/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 25 e 26.4.2012. (ADPF-186)

É constitucional a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública direta e indireta. É legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa. (STF, 2018, On-line)


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